14 julho, 2010

Porque boas ideias não podem ser desperdiçadas

(Aos amigos Augusto, Carla, Juliana e Henrique)

Existem momentos compartilhados à mesa que logo depois de vividos provocam a imediata certeza de que foram importantes para você, não se sabe como e nem porque, talvez o tempo diga mais adiante. São momentos simples, sem caretices, acima de tudo sinceros, com poucas exigências, características que os tornam ainda mais genuínos e agradáveis.

Dos que compartilham a mesa, uns apreciam o efeito do álcool unido ao gosto amargo da cevada fermentada. Outros, abstêmios e por vezes mais silenciosos, são movidos pela cafeína gaseificada da lata vermelha. Mas tanto uns quanto outros não dispensam as doses cavalares de gordura saturada, que acompanham a já quase tradicional porção de fritas. Nessa levada, os protagonistas desses momentos explicam a vida, expõem visões críticas do mundo que conhecem, ensinam e aprendem sem perceber.

As discussões seguem em prosa e ar livre. Passeiam por assuntos aleatórios, sérios, amenos, complicados e mórbidos. Fala-se sobre o nascimento, a morte e tudo o que acontece no intervalo entre um e outro. Sem perceber, os integrantes da mesa proferem certezas, máximas e frases de efeito com a confiança que só a juventude pode proporcionar. De início, no fervor da discussão, ouve-se a afirmação de que o amor, o dom maior, aquele registrado e propagado pelas escrituras sagradas, "o amor é uma merda!"

Da outra ponta da mesa, num rompante aconselhador, rememorando vivências certamente influenciadas pelo mesmo amor bíblico anteriormente achincalhado, uma voz proclama: "em que bueiro eu deixei meu amor próprio?" Ao ouvir tais palavras a mesa se enche de riso e os integrantes mergulham sem reservas na discussão sobre o dito sentimento. Subjetivo, multilateral e com efeitos divulgados nos livros, na música, na literatura, o amor é dos sentimentos que mais causa sofrimento ao homem, mas uma voz sensata, puramente racional sentencia em dado momento: "quem permite o sofrimento é você!"

Há na mesa quem já aprendeu boas lições da vida, ainda que o tempo vivido não tenha ultrapassado pouco mais de duas décadas. Sem pestanejar, segura das palavras e de seus efeitos no universo depois de proferidas, afirma: "eu não fico mais desesperada, porque as coisas passam." Impressiona perceber profundidade e recomendação ímpares na afirmação aparentemente óbvia.

"É muito fácil subestimar o destino!" Beirando a exaltação a declaração é posta na mesa. O tom é de quem sabe que na vida não há previsão, e que mais frágil que o nosso futuro, são as certezas que temos dele. Com sutil sabedoria, não sabendo se para complementar ou contrapor, isso pouco importa, outra voz dissonante declara que "a vida está nos olhos de quem vê."

Os momentos compartilhados a mesa sempre atingem seu clímax, o ápice. Não se sabe se o momento é percebido por todos os integrantes, mas é nele em que a mesa une-se em cumplicidade, em que visões opostas, afirmações e negações são lançadas sem reservas. A altura da conversa se eleva, os risos são mais espontâneos e ainda mais abrangentes, os copos se esvaziam e novas garrafas são solicitadas. Percebe-se na euforia certo fortalecimento dos vínculos de amizade.

Na troca de exclamações ocorrem até paráfrases, que remetem a integrantes que nunca compartilharam desses momentos a mesa, integrantes sábios que acrescentariam valor aos devaneios, uma vez que proferiram para quem quisesse ouvir que “covarde é aquele não tem coragem de amar!’’

É preciso sim coragem para amar, pois o amor, ao contrário dos momentos partilhados à mesa, é exigente e depende inteiramente de seus integrantes e, mais além, dos integrantes do mundo para que seja proveitoso e traga mais felicidade que dores. Mais fácil é a paixão. Mais fácil? Talvez mais inconsequente, também não se sabe. O que se sabe e que se ouviu também à mesa é que "a paixão é o que move as coisas."

Ainda que se levando a sério, os integrantes da mesa não dispensam oxigenar o cérebro com humor barato e rápido. Por isso repete-se aos ouvidos presentes a interrogação: "você tem falado com a Dani?"

Seguindo assim, os momentos compartilhados a mesa ficam registrados na lembrança e no caráter de seus integrantes. Momentos que serão com toda certeza retomados com nostalgia num futuro próximo.

Um comentário:

carlota disse...

isso me emociona dum tanto!